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NUMA REUNIÃO FAMILIAR

 
Periodicamente, em pelo menos duas vezes por mês, os pais do garoto Pé no Bolo se reúnem com os filhos para terem com cada um deles uma “conversa ao pé do ouvido”, visando com isso ajustar alguns detalhes comportamentais que o ambiente escolar não consegue suprir na sua plenitude.

Provavelmente, os pais dele devem ser oriundos de uma geração que ainda continua entendendo que o “pontapé inicial” relativo à educação moral de um cidadão é dado no ambiente caseiro, preferencialmente com a participação efetiva de todos os membros da família, deixando o professor apenas responsável pela instrução escolar.

A realização desse evento familiar rotineiro tem se revestido da mais pura seriedade e retidão de propósitos e, no que diz respeito à assimilação das orientações recebidas pelos seus participantes, elas têm causado um efeito muito positivo. Rapidamente, como ocorre num passe de mágica, ao final de cada uma dessas reuniões, cada um deles é capaz de assumir, com acentuada determinação, o papel que lhe é atribuído pelos membros titulares daquela prole.

No dia e hora marcados todos comparecem àquele local combinado. Geralmente, a reunião se dá ao final do dia, sob a sombra de uma velha mangueira, embalada que o é pelo canto de alguns pássaros que se recolhem para dormir e reprimida, de vez em quando, pelo barulho ensurdecedor produzido pelas inúmeras galinhas d’angola que circulam ali no terreiro, assustadas, evidentemente, com o canto estridente de alguns galos carijós.

Pé no Bolo, por ser o mais traquinas de todos, sempre tem sido o primeiro a chegar a essa reunião. E, em meio àquela expectativa ele permanece meio acabrunhado, numa atitude um tanto quanto suspeita, esboçando, por vezes, uma reação de quem compareceu ali apenas para se defender de possíveis acusações que lhe forem imputadas.

Faltavam poucos minutos para o início da reunião e ele não parava de olhar para todos os lados e de manter-se fixamente fitando o semblante de todos. Os pais dele, que já o conhecem muito bem, pareciam entender perfeitamente o que ele tinha a lhes dizer. Ambos fizeram as recomendações familiares de praxe, orientando a todos com todos os pormenores.

Quando todos imaginavam que a reunião tivesse terminado, os pais dos garotos, os reais promotores daquela reunião, se entreolharam e cochicharam algo no ouvido um do outro. Nesse ínterim, o varão esboçando um sorriso contrafeito, adiou o término da reunião e, sem muita delonga, decidiu fazer alguns questionamentos, apenas para o garoto Pé no Bolo:

- Meu filho, ainda para a exposição dessa reunião de hoje, qual é a novidade que você tem para nos apresentar? É algo que irá nos ajudar a lhe compreender melhor, diferentemente do que tem ocorrido nas reuniões passadas? Ou será que desta vez você já trouxe a solução pronta para o problema “mais novo” que você irá nos apresentar?

Diante dos olhares assustados dos demais irmãos, Pé no Bolo permaneceu calado, porém atento, após ouvir aquela bateria de perguntas feitas pelo seu pai. Na verdade todos estavam perplexos, pois não era comum o pai deles agir de maneira pouco amistosa no decorrer de uma reunião, por mais complicado que fosse o assunto a ser discutido. Talvez ele estivesse um pouco chateado com alguma coisa relacionada ao comportamento do seu garoto no ambiente escolar.

O garoto Pé no Bolo àquela altura dos acontecimentos já estava suando frio e temia que aquela reunião não terminasse bem, principalmente para os planos dele. Mas ele não se abateu. Pensou logo numa saída vitoriosa e com aquela sua habilidade estratégica, própria de um garoto sapeca, dotado de uma perspicácia acima do normal, fitou firmemente os olhos do seu pai e antes que o velho esboçasse alguma reação e avançasse na sequência daquele assunto, o garoto decidiu fazer as suas observações:

- Meu pai, eu não sei se todos que estão aqui têm notado que eu adoro participar desses nossos encontros familiares. Eles têm sido de extrema importância para o desenvolvimento do nosso crescimento emocional e para o crescimento de todos nós como seres humanos. Os aconselhamentos que nós temos recebidos ao longo dessas reuniões nos têm feito muito bem e é uma pena que essa prática não esteja sendo adotada pela maioria das famílias da nossa comunidade.

Meu pai, eu sei que o senhor e a mamãe têm sido muito compreensivos para com todos nós, mesmo naqueles momentos em que nós praticamos alguma estripulia ou quando nós fazemos algo para chamar a atenção dos adultos.

Eu, por exemplo, sei que deveria agir como age toda criança normal e que eu não deveria fazer traquinices, mas reconheço que essas minhas atitudes, um pouco diferentes das praticadas pelas “pessoas grandes” da nossa família, são próprias do comportamento de “pessoas da minha idade”.

Geralmente, as traquinices que eu pratico aqui dentro de casa e na escola, têm servido apenas para extravasar um pouco do excesso desse 'balde de energia mirim' que eu carrego dentro de mim, que é própria de pessoas da minha idade. Não leve nada disso a sério não, meu velho!

Como se nada tivesse dito, colocou uma das mãos sobre a mesa e com a outra segurando o queixo, deu mostras de que iria prosseguir investindo na sua estratégia, disparou:

- A propósito, meu pai, o senhor tem alguma crítica a fazer a respeito desse meu comentário?

O pai dele sorriu, sobretudo pela desenvoltura apresentada pelo seu pimpolho na sua argumentação, e sem proferir, sequer, mais uma palavra, abraçou a todos e deu por encerrada aquela reunião.

 
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 05/06/2008
Alterado em 31/05/2020
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