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O INIMIGO INVISÍVEL
 
 
O camponês Zé Velho está se sentindo meio desacorçoado com essa necessidade de ter que ficar em casa, em quarentena, por causa dos perigos oferecidos por essa doença que apareceu agora no Brasil.

Ele se queixa para Deus e para o mundo que o pior de tudo é que algumas pessoas andam falando por aí que essa doença é apenas mais uma gripe, muito embora ele desconfie que ela seja muito pior que aquela doença chamada gogo que, uma vez ou outra, dá em algumas de suas galinhas.

Dentre todas as informações que ele tem escutado sobre essa doença, o que o tem deixado mais preocupado é que também andam falando nas rádios e nas televisões que ela tem dado preferência para os idosos, assim como para as pessoas asmáticas, pessoas com doenças do coração, fumantes, diabéticos, entre outros.

Não obstante sua lucidez, disposição no andar e aparentar gozar de boa saúde, Seu Zé Velho faz parte das pessoas do grupo de maior risco de serem infectadas, pois ele já está beirando seus noventa e poucos anos de vida.

Quando ele se refere à nova doença, ele afirma que essa situação que o mundo está vivendo agora é meio parecida com aquela dos noticiários que ele ouvia nas rádios de sua época, quando do início, meio e fim da 2ª Guerra Mundial.

Ele conta, de modo descontraído, que foi um jovem muito curioso e que de vez em quando ficava amoitado, com o ouvido colado na parede de uma casa ao lado da sua, escutando o noticiário que saía de um rádio que ficava na sala do seu vizinho.

Segundo ele, as pessoas da sua época viviam muito assustadas com tudo o que se falava da guerra que estava acontecendo lá no estrangeiro e que também muitas dessas  pessoas não saiam de casa, com medo de morrer.

Ele diz que a diferença entre a situação das pessoas daquela época em relação às de hoje é que as de agora não conseguem ver o inimigo que as obriga a ficarem isoladas  dentro de suas próprias casas.

Ele confessa que gostaria de chegar pelo menos aos cem anos de idade e que sente muito pelos familiares dessas pessoas, tanto os daqui, como os do estrangeiro, por terem perdido seus entes queridos que não conseguiram sobreviver aos ataques desastrosos dessa nova doença.

Diz, com certo ar de tristeza, que seus avós já falavam que haveria de chegar um tempo em que os homens iriam ficar escondidos nas suas próprias casas, como se estivesse fugindo de um perigo invisível; mas eles não estariam a fugir de alguma assombração, nem mesmo de alguma alma penada a lhes atacar na calada da noite, mas seria com medo de morrerem atingidos por alguma epidemia.

Ouvindo seus diversos causos e raras lamúrias, sendo que alguns desses causos são recheados de certo saudosismo, dá a impressão de que Seu Zeu Velho, pelo peso de sua idade, não esteja mais falando coisa com coisa.

Se olharmos por esse ângulo, nos é possível observar que os vieses dessas suas lembranças já lhes se apresentam um pouco embaçados, mas isso seria, evidentemente, por causa dos janeiros que ele já viveu. Todavia, se pensarmos pelo lado real da situação a que todos nós estamos expostos, esse cidadão senil está mais consciente e mais seguro de si do que muitos jovens dos nossos dias.

Ainda  que não seja isso, o fato é que Seu Zé Velho alega que gostaria de viver por mais alguns anos e assim poder ter muitas histórias e causos para contar para as pessoas em geral, sobretudo para aquelas que, uma vez infectadas, conseguirem sobreviver aos caprichos perversos dessa pandemia.


É, Seu Zé Velho, este humilde narrador dos seus causos gostaria de estar também entre esses sobreviventes e poder chegar, pelo menos, um pouco próximo de sua idade atual e, de preferência, com sua disposição física e franca clarividência na exposição de ideias.
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 04/04/2020
Alterado em 09/05/2020

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