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21 - O TRABALHO NUMA CASA DE FARINHA
 
Billy Lupércio Daniel é uma pessoa oriunda de uma família nordestina que desde os seus primórdios sempre teve suas plantações de mandioca para a produção da farinha para o consumo próprio. Raramente, exceto em situações de extrema carência de recursos financeiros, seus pais vendiam parte da produção caseira auferida, escasseando, assim, o seu consumo familiar, uma vez que ela é considerada por eles um genero alimentício de primeira necessidade.

Nas regiões norte e nordeste, principalmente, o consumo de farinha de mandioca é bem acima da média em relação às demais regiões geográficas do nosso país continente.

Apesar de tratar-se de um alimento de alto consumo, sobretudo das pessoas que habitam essas regiões em específico do nosso país, pouco se sabe a respeito do tempo exato em que a farinha de mandioca surgiu entre nós e desde quando ela tem sido utilizada como um dos alimentos mais consumidos por parte do povo brasileiro. Estima-se que ela vem sendo produzida aqui no nosso país há mais de dois mil anos.

Billy lembra-se, como se fosse hoje, da preocupação do seu pai com a escassez de chuva na região em que eles sempre viveram, o que dificultaria em muito o crescimento dos pés de mandioca de sua plantação caseira e, consequentemente, o pai dele teria de gastar seus minguados trocados com a compra do produto nos mercados municipais ou nas feiras livres.

Segundo ele, ainda hoje, a farinha de mandioca é um produto que não pode faltar na mesa do nordestino raiz. Por viver longe de sua terra natal há já algum tempo, Billy confessa que já consegue viver tranquilamente sem ela, exceto quando em viagem, a passeio, ao visitar membros de sua família que ainda vivem por lá, só nesses momentos em especial ele tem uma breve recaída.

Ela recorda que a maioria dos lavradores que mantinha plantações de mandioca para o consumo próprio ou para a venda esporádica da farinha produzida, tinha sua casa de farinha particular. Seu pai era um desses pequenos agricultores que sempre teve sua casa de farinha instalada ao lado da casa onde sua família morava ou bem próximo dela.

Ele diz que uma casa de farinha normal para que ela esteja completa, ainda que ela seja um pouco pequena, deverá possuir o sistema de raspagem, de ralação das raízes, de prensagem e o forno.

Diz, ainda, que antes de a farinha chegar à mesa da família do lavrador que a consome diariamente, obrigatoriamente ela terá de passar pelos processos acima mencionados. Contudo, antes do início de tais processos, é necessário que as raízes estejam disponíveis para serem trabalhadas.

Em diferentes épocas e em propriedades distintas, o pai dele possuiu suas respectivas casas de farinha e todas elas eram dotadas de todos os equipamentos e apetrechos necessários para a produção da farinha e de alguns dos seus derivados.

Numa casa de farinha tradicional, as tarefas são divididas de maneira equitativa, de modo que todas as pessoas possam participar ativamente de todos os processos, desde a arrancada das raízes e o preparo da farinha propriamente dito.

É evidente que os trabalhos mais grosseiros sempre foram de responsabildade dos homens, a começar pelo processo de arrancar as raízes da mandioca lá do meio da roça e transportás-la dentro de cacuás no lombo dos animais para a casa de farinha.

Ele conta que no seu tempo de criança, as mulheres e as crianças (e ele foi uma dessas crianças) se encarregavam de raspar as raízes que chegavam das roças e de extrair o amido ou polvilho. O amido, polvilho ou tapioca, conforme o nome que era dado nas diversas regiões de cultivo da mandioca, ele é obtido após a decantação da manipuera, durante a pubagem que é um processo de fermentação. Geralmente, esse amido é muito utilizado como goma para passar roupas de algodão e de linho, principalmente, ou para a fabricação de alimentos como mingaus, papas, sequilhos, bolos e beijus de  tapioca.

Em algumas vezes, por falta de recursos financeiros por parte do dono da farinhada, os serviços preliminares de limpezas das raízes e de raspagem para, em seguida, destinarem-se à ralação, eram feitos por meio de adjutório, participação comunitária que é conhecida pelo nome de mutirão nas regiões sudeste e sul do país.
Ali, as pessoas da comunidade trabalhariam sem receber dinheiro pelos serviços prestados, apenas a alimentação, e aguardariam a “compensação” desse(s) dia(s) efetivamente trabalhado(s), posteriormente, por meio dessa modalidade de auxilio gratuito comunitário (adjutório), quando chegasse a vez de fazerem suas farinhadas.

Os trabalhos, na maioria das vezes, nessas atividades de farinhadas varavam noite adentro e, conforme o montante do serviço a ser realizado e o número de pessoas disponível para tal, iriam até o amanhecer.

Naquelas noites de trabalho comunitário acontecia de tudo em termos de folguedos e distrações regionais, regados que o eram à base de licores, cachaça, vinhos, café com beiju, etc., e só não poderia faltar o ingrediente principal que era uma total disposição, acompanhada de muita alegria.

Quiçá, por viver longe há já algum tempo de suas raízes comunitárias, Billy ainda seja uma pessoa um pouco saudosista De vez em quando, nas suas conversas com amigos e conhecidos, ele comenta que apesar do tempo decorrido e das mudanças havidas entre aqueles momentos outrora vividos e sua vida atual, não resta nenhuma sobra de dúvida que ele foi uma criança muito feliz com pleno conhecimento de tudo o que lhe proporcionava aquela felicidade.
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 16/08/2020
Alterado em 30/09/2020
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